Dia do Folclore: o racismo na lenda sobre 'ser das sombras' que amedrontou por anos bairro de Teresina
22/08/2024
Um homem chegou a ser preso, acusado de ser o famigerado criminoso, mas os crimes continuaram acontecendo após a prisão. Nesta quinta-feira (22), Dia do Folclore, o g1 reconta a lenda que durante anos aterrorizou um bairro na Zona Sul de Teresina. Recentemente, uma dissertação de mestrado identificou que a lenda trata muito mais racismo estrutural e machismo na sociedade teresinense dos anos 80 do que exatamente sobre um "monstro" ou mesmo criminoso.
Um ser que se escondia nas sombras, diziam haver dúvida se era um homem ou um demônio, o temido "Negão da Macaúba", que estigmatizava homens negros e amedrontava mulheres no antigo bairro dos carvoeiros - atualmente conhecido como Macaúba.
Lenda do Negão da Macaúba amedrontou moradores de bairro em Teresina
Douglas Viana
Se você nunca ouviu falar, a lenda urbana é uma das mais recentes de Teresina. Um homem negro, ou pintado de graxa para se esconder na escuridão, que atacava e estuprava mulheres sozinhas no bairro da Macaúba.
Em 1989, um homem chegou a ser preso no que hoje é o Parque Ambiental da Macaúba, suspeito de ser o temido "Negão", no entanto, mesmo com sua prisão os crimes continuaram acontecendo.
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Conforme o professor e mestre em história, José Ribeiro, pesquisador do assunto, a lenda explicita preconceitos. "A verdade é que esse mito ajudou a reforçar preconceitos. Principalmente com negros que se tornaram grandes suspeitos de casos de estupros", disse.
"O medo com eles também era enorme e isso reforçou muitas mazelas. 'Negão da Macaúba' era um apelido de chacota", completou o professor.
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O pesquisador disse que a lenda também serviu como "controle social" para mulheres. Isso porque com o disseminar do mito, mulheres que estavam por ganhar sua independência, trabalhar e sair sozinhas, eram aterrorizadas pelo medo.
"As mulheres também foram vítimas desse mito. Por falarem tanto no meio homem e monstro, elas acabaram por serem impedidas de terem essa liberdade que vinham ganhando, justamente pelo medo", explicou.
Como a lenda surgiu?
Há diversas versões sobre a criação da lenda. A mais forte é de que, ainda em 1980, Teresina passava por uma onda de violência muito forte e crimes de maior repercussão eram os sexuais, contra mulheres.
"Os crimes estavam muito frequentes em toda a capital e na macaúba houve alguns registros de crimes sexuais e daí começou o mito, que na verdade surgiu de um bordão", contou o professor.
Segundo José Ribeiro, o nome da lenda foi citado pela primeira vez no bordão de um radialista da época, o jornalista Luís Borges, que usava o termo para falar sobre crimes de brutalidade: "Pede a Deus, neném, que te livre do Negão da Macaúba, pede a Deus, neném, que te livre da pistola do Correia Lima".
O professor destaca que depois da popularização do ser no imaginário popular, o mito se espalhou e ganhou diversas versões.
Resignificando o mito
Após diversos anos e muitas versões de brutalidade, os moradores do bairro Macaúba acabaram por dar um novo significado para a lenda. Nesse processo criou-se o "Bloco do Negão da Macaúba", criado em 2011.
"O bloco serviu para reajustar toda a ideia que se tinha do mito. Ele veio para trazer uma nova ideia e tirar aqueles paradigmas, até mesmo sobre violência negra, ou do bairro, ou o medo do mito das mulheres", contou o professor.
Para o educador, o mito do "Negão da Macaúba" mostra que as lendas podem falar muito mais de nossa sociedade do que dos próprios monstros criados. A lenda foi criada para o terror e acabou ganhando um significado maior que isso.
Parque Ambiental da Macaúba, antigo terreno baldio onde um homem foi presos suspeito de ser o "Negão da Macaúba"
Reprodução
*Pedro Lima, estagiário sob supervisão de Lucas Marreiros.
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